Às vezes, entre um cigarro e outro, uma garrafa e outra, a gente pensa – na real, todo artista pensa – na entrevista que gostaria de dar, naquilo que responderia pra cada pergunta. Até estamos dando bastante entrevistas, a repercussão de “Sem Diversão Pra Mim” está sendo melhor do que todo mundo esperava, mas… para que depender dos outros para falar o que a gente quer? Não combina com a Maré Tardia. Então, decidimos coletar curiosidades e dúvidas de gente que a gente curte e responder a nossa própria entrevista para o veículo Substack da Maré Tardia
Como vocês começaram na música?
BRUNO: Bom, meu início da música se deu quando minha mãe me colocou na escolinha com o plano maligno de que eu me tornasse músico da igreja. Coitada. Enfim, fui crescendo, tentei aprender violão, fui pra bateria e depois consegui uma guitarra com minha mamãe com a promessa de que, sim, mãe, eu vou tocar na igreja! O resto vocês imaginam… Ela deve ter algum orgulho por me ver tocar, mas creio que deve ter se arrependido várias vezes…
GUS: Eu comecei com piano aos 7 anos de idade. Queria fazer aula porque minha avó estava fazendo. Depois, aos 13, descobri o roquenrou com Nirvana e Ramones por causa do meu tio e fui desenvolvendo uma extrema necessidade de tocar guitarra. Fui aprender por conta própria aos 15.
VAZO: Deus me abençoou... Comecei na igreja tocando para os irmãos da comunhão
CANNI: A música me puxou pela perna depois que, com 6 anos, botei um CD do Rush do meu pai no aparelho de som que ele tinha em casa na época. Chamo esse dia de “o dia que fui estragado”. Depois disso, pedi pra fazer aula de bateria, tive minha primeira banda na adolescência, aprendi baixo e guitarra e tô nesse relacionamento tóxico até hoje.
Como foi o processo de vocês se tornarem uma banda e como foi pra vocês se desempenharem e progredirem nisto?
GUS: Eu conheci o Bruno num bar de esquina vendo a seleção feminina do Brasil tomar um pau da Austrália. Estava lá com uns amigos, sentado no canto de uma mesa quase colada na mesa de uns desconhecidos do lado, onde ele estava. Uma hora ele virou pra mim e disse: “pelo menos a Austrália nos deu o Tame Impala”. Nos tornamos amigos instantaneamente e descobrimos que éramos vizinhos. Umas semanas depois, ele me disse que estava começando um projeto chamado “Maré Tardia” e perguntou se eu queria tocar guitarra.
CANNI: Não estou na banda desde o início. Na verdade, eu só entrei porque me ofereci numa conversa com o Gus (ele estava desabafando que não achavam um baixista para a banda). Na época eu tocava com outras bandas também, então pra mim era como se fosse mais um projeto pra tentar fazer dar certo. Não tem receita pra isso, você dá 300 cabeçadas para aprender como joga o jogo. A relação que a gente tem construído tem contribuído para isso, a unidade ajuda muito.
BRUNO: O processo de criar e manter uma banda é muito prazeroso, mas doloroso, é muita porrada, desilusão e coração partido, e algumas brigas entre nós. Mas sempre tivemos na cabeça que a gente era foda, a melhor banda, e vamos trabalhar pra que isso se torne realidade. É um trabalhinho puxado, mas dá gosto, é o que me faz levantar da cama.
VAZO: Com muita luta estamos conseguindo, nada é fácil nessa vida... Gosto de pensar que se estamos juntos é por um propósito maior. Como eu disse, comecei na igreja, amo pensar de forma positiva.
Aliás, por que esse nome… Maré Tardia? De onde surgiu
CANNI: Uma vez o Bruno resolveu mergulhar no mar e foi pego por uma maré muito forte de fim de tarde. Ele teve que ser resgatado por um salva-vidas que estava passando por ali na hora, fora do turno dele. Imagina o susto… Por isso Maré Tardia.
É mentira. Eu acabei de inventar tudo isso da minha cabeça. Olha a resposta do Bruno que ele explica.
GUS: Eu acho que isso não importa. O nome soa legal, né? Pronto.
VAZO: O Bruno vai saber responder essa melhor.... Ou não, né... O cara demora 1 ano falando.
BRUNO: Por que não Maré Tardia? A gente é foda! Onda atrasada que leva tudo que você suprimiu dentro de você e te dá um caldo violento e te leva pro fundo do mar para você sair com areia na cueca e com todo mundo na praia dando uma risada escrota na sua cara. Maré porque somos quentes, porque remete a essa coisa praiana, e Tardia, pois às vezes as melhores coisas demoram a acontecer, não é na hora que queremos. Life’s a bitch.
A formação da banda atualmente não é a mesma do início, como vocês lidam com esses processos de entradas e saídas de integrantes?
BRUNO: A banda começou com o Fish na bateria, Munaut no baixo e Gustavo e eu na guitarra. Na pandemia, Munaut saiu da banda porque não concordava muito que a gente se encontrasse para gravar lives (fizemos algumas) e ir para a casa dos meus pais em Guarapari para usar substâncias e tentar gravar nosso primeiro álbum sozinhos. Fish saiu brigado comigo, me odiando bastante (risos), mas hoje estamos amigos novamente. Ele até fez o design de um dos produtos do nosso merch novo!
Quando Canni entrou foi um achado incrível, parecia que estava com a gente desde o início e acrescentou bastante. O Dona Encrenca [ex-baterista] é que foi foda. Estávamos no pós-término com o Fish e chamamos o arqui-inimigo dele para a banda. E pra quê? Só pentelhou a porra da gravação do primeiro álbum, meti o dedo na cara dele e bati na mesa no meio do bar, e ele saiu um dia depois, todo maquiado de corpse paint e mandando textão em inglês. Por isso quando decidimos chamar o Vazo foi um longo processo...
GUS: Um integrante pode mudar drasticamente a sonoridade de uma banda. Não é fácil achar alguém que esteja na mesma vibração.
CANNI: Checando se quem vai entrar na banda não tem probleminhas e sabe tocar (é o mínimo, né).
VAZO: Eu fui o último a entrar e ninguém nunca mais vai sair... Essa é a formação pique Flamengo de 2019.
Qual foi a diferença entre as gravações do primeiro disco [Maré Tardia, de 2022] para o segundo [Sem Diversão Pra Mim, 2025]?
VAZO: TUDO!!!
CANNI: Que o Dona Encrenca não estava mais lá para atrapalhar (entendedores entenderão).
BRUNO: Primeiro de tudo, só de não ter o Dona Encrenca na bateria fazendo malcriação com o [Fábio] Mozine e o Capilé já foi outra onda. O que o bonito levou séculos para gravar, e tudo errado ainda por cima, o Vazo matou em dois dias. Mas creio que, além da sonoridade, tem as composições. O primeiro é um apanhado de músicas que a gente fez para tocar e fazer algo diferente das bandas cover que inundam o Espírito Santo, é mais cruzão, mas é uma delícia também. “Sem Diversão Pra Mim” foi todo lapidado e amadurecido para chegar próximo ao som das bandas de que gostamos.
GUS: Como eu sou co-produtor do disco [junto de Alexandre Capilé, do Sugar Kane] e mixei as faixas, consegui trazer para esse álbum exatamente a sonoridade que estava na minha cabeça. Já no primeiro álbum, o Capilé trouxe a sonoridade dele. Nós tínhamos acabado de nos conhecer e tivemos pouco tempo. “Sem Diversão Pra Mim” é um disco mais maduro em todos os aspectos. Tivemos mais tempo para nos conhecer e buscar o que realmente queríamos fazer.
Como é o processo pra decidir qual música de quem entra no disco? Tem muita disputa?
CANNI: Eu me considero chatão nessas horas. Acho que, quanto mais desprendida de ego a música for, melhor. Se for para ter um arranjo mais simples porque a música “pede”, faça. Tem que saber a sua hora de aparecer e de deixar o outro se sobressair. Como diz o Vazo: “não estamos dando workshop, estamos fazendo música”.
BRUNO: Normalmente a gente sempre divide 50-50, entre as minhas e as do Gustavo, para ficar justo. Aí cada um escolhe quais prefere e todo mundo opina: “Porra, essa é meio chatinha”, “essa é foda, bora”. A disputa que rola entre a gente é saudável, aquele negócio de a gente sempre querer se superar. “Ah é, você fez essa música? Então toma essa!”. Esses caras são meus irmãos.
GUS: Eventualmente, com o Canni e Vazo se aventurando a compor, ganham um espaço também. Tudo é bastante conversado entre a gente, não queremos atrito e tentamos respeitar o tempo de composição do outro, sem pressão. É claro que existe uma competiçãozinha interna entre Bruno e eu, mas isso é muito bom.
VAZO: Todos nós somos criativos... É um processo difícil porque temos muita música boa
Qual a história de música mais engraçada que vocês têm?
VAZO: Não me recordo…
BRUNO: “Mosquito” nasceu porque literalmente tinha um mosquito desgraçado dos infernos voando e atrapalhando meu sono. Aí pensei que ele merecia uma música pelo trabalho que fez. Depois até registramos a música como gospel, porque se você for olhar a letra dizendo “ele vemmmm/ ele vemmmm”... só pode ser deus.
GUS: Eu só faço música triste.
CANNI: “Junkie Food” é cheio de piadas internas. O verso “garrafa de cinzeiro” surgiu porque o Gus deu um gole num casco de cerveja que estávamos usando de cinzeiro. Além das cinzas, de bônus tinha um sachê de ketchup usado dentro da garrafa. Bem nutritivo.
Além da música, o que mais inspira vocês na hora de compor?
GUS: Eu gosto de ler. Ver filmes também me inspira muito. Entrar em outro universo, sair da realidade um pouco, enxergar as coisas por outros ângulos. O clima e horário também me influenciam. Eu prefiro escrever de noite ou em dias mais frios, ou quando está chovendo. Eu amo escrever em avião ou ônibus também. Gosto de momento de trânsito entre dois lugares, enquanto você viaja e fica olhando pela janela só com seus pensamentos e nada pra resolver.
VAZO: Amores perdidos…
BRUNO: Depressão na beira da praia, incontáveis cervejadas e corações partidos, franjudinhas com tattoo old school… é foda, sempre me fodo. No mais, é isso: sofrer por franjuda, cerveja barata meio quente, ressaca fudida e muito cigarro vermelho.
CANNI: Pés na bunda, garotas confusas, “Mia Wallace” (oi, Bruno), hábitos ruins, auto-sabotagem. Só energia lá em cima.
Vocês brigam muito?
GUS: Nunca, muito difícil. Sou muito tranquilo.
VAZO: Difícil o Gustavo não se estressar com qualquer coisa, então, sim.
CANNI: Eu e Gus somos os mais bravinhos, a gente se estranha direto, mas é amor puro e genuíno. Te amo, Gustavo. Além disso, dar esporro no Vazo é obrigatório.
BRUNO: Às vezes e principalmente na estrada rola estresse e o caralho a quatro. Mas as principais brigas são sempre entre Canni e Gustavo. Puta que pariu, eu me divirto bastante, confesso, mas depois eu sempre tenho que separar e fazer a diplomacia. Aí nesses momentos só olho para o Vazo e falo: “puta que pariu, de novo?”.
O que vocês almejam com a banda?
VAZO: Não posso responder essa sem a presença dos meus advogados
BRUNO: Ficar rico, ter uma mansão na Califórnia, um Ford Mustang 64 preto, casar com uma atriz/modelo que vai me trair… além de querer tocar em todos os festivais, cidades e dividir o palco com nossos ídolos.
CANNI: Conhecer o mundo, pessoas e tranquilizar minha mãe. Ela tem medo de eu passar fome. Mas está dando certo, mãe, confia.
GUS: Tudo o que existe, nada menos.